A “globalização” está na ordem do dia; uma
palavra da moda que se transforma rapidamente em um lema, uma encantação
mágica, uma senha capaz de abrir as portas de todos os mistérios presentes e
futuros. Para alguns, “globalização” é o que devemos fazer se quisermos ser
felizes; para outros, é a causa da nossa infelicidade. Para todos, porém,
“globalização” é o destino irremediável do mundo, um processo irreversível; é
também um processo que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira.
Estamos todos sendo “globalizados” — e isso significa basicamente o mesmo para
todos.
Todas as palavras da moda tendem a um
mesmo destino: quanto mais experiências pretendem explicar, mais opacas se
tornam. Quanto mais numerosas as verdades ortodoxas que desalojam e superam,
mais rápido se tornam cânones inquestionáveis. As práticas humanas que o
conceito tentou originalmente captar saem do alcance da vista e são agora os
“fatos materiais”, a qualidade do “mundo lá fora” que o termo parece “esclarecer”
e que ele invoca para reivindicar sua própria imunidade ao questionamento. A
“globalização” não é exceção à regra.
Este livro é uma tentativa de mostrar que
no fenômeno da globalização há mais coisas do que pode o olho apreender;
revelando as raízes e consequências sociais do processo globalizador, ele
tentará dissipar um pouco da névoa que cerca esse termo que pretende trazer
clareza à condição humana atual.
A expressão “compressão tempo/espaço”
encerra a multifacetada transformação em curso dos parâmetros da condição
humana. Assim que examinarmos as causas e consequências sociais dessa
compressão, ficará evidente que os processos globalizadores não têm a unidade
de efeitos que se supõe comumente. Os usos do tempo e do espaço são
acentuadamente diferenciados e diferenciadores. A globalização tanto divide
como une; divide enquanto une — e as causas da divisão são idênticas às que
promovem a uniformidade do globo.
Junto com as dimensões planetárias dos
negócios, das finanças, do comércio e do fluxo de informação, é colocado em
movimento um processo “localizador”, de fixação no espaço. Conjuntamente, os
dois processos intimamente relacionados diferenciam nitidamente as condições
existências de populações inteiras e de vários segmentos de cada população. O
que para alguns parece globalização, para outros significa localização; o que
para alguns é sinalização de liberdade, para muitos outros é um destino
indesejado e cruel. A mobilidade galga ao mais alto nível dentre os valores
cobiçados — e a liberdade de movimentos, uma mercadoria sempre escassa e
distribuída de forma desigual, logo se torna o principal fator estratificador
de nossos tardios tempos modernos ou pós-modernos.
Todos nós estamos, a contragosto, por
desígnio ou à revelia, em movimento.
Estamos em
movimento mesmo que fisicamente estejamos imóveis: a imobilidade não é uma
opção realista num mundo em permanente mudança. E no entanto os efeitos dessa
nova condição são radicalmente desiguais. Alguns de nós tornam-se plena e
verdadeiramente “globais”; alguns se fixam na sua “localidade” — transe que não
é nem agradável nem suportável num mundo em que os “globais” dão o tom e fazem
as regras do jogo da vida. Ser local num mundo globalizado é sinal de privação
e degradação social. Os desconfortos da existência localizada compõem-se do
fato de que, com os espaços públicos removidos para além do alcance da vida
localizada, as localidades estão perdendo a capacidade de gerar e negociar
sentidos e se tornam cada vez mais dependentes de ações que dão e interpretam
sentidos, ações que elas não controlam — chega dos sonhos e consolos
comunitaristas dos intelectuais globalizados.
Uma parte integrante dos processos de
globalização é a progressiva segregação espacial, a progressiva separação e
exclusão. As tendências neotribais e fundamentalistas, que refletem e formulam
a experiência das pessoas na ponta receptora da globalização, são fruto tão
legítimo da globalização quanto a “hibridização” amplamente aclamada da alta
cultura — a alta cultura globalizada.
Uma causa específica de preocupação é a
progressiva ruptura de comunicação
entre as elites
extraterritoriais cada vez mais globais e o restante da população,
cada vez mais
“localizada”.
Fonte: Globalização: As Consequências